sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Enquanto combatíamos a COVID-19, 73% dos exames de esquistossomose foram cancelados: a pandemia silenciosa das doenças negligenciadas.

     A COVID-19 não apenas matou milhões de pessoas pelo mundo - ela também silenciosamente condenou outras tantas ao abandono. Enquanto toda a atenção e recursos se voltavam para o combate ao coronavírus, uma tragédia paralela se desenrolava nos rincões do Nordeste brasileiro: o programa de controle da esquistossomose praticamente desapareceu.

    Em Pernambuco, estado endêmico para essa doença que afeta milhões de brasileiros, os números revelam um cenário devastador. Em 2020, 73,8% dos exames de esquistossomose simplesmente não aconteceram. A população assistida pelo programa despencou 71,3%. Isso significa que centenas de milhares de pessoas que vivem em áreas de risco ficaram completamente desassistidas, expostas a uma doença que, sem tratamento, pode evoluir para complicações graves e até morte.

    A esquistossomose, causada pelo parasita Schistosoma mansoni, é uma das principais doenças negligenciadas do Brasil. Transmitida através do contato com águas contaminadas, ela afeta principalmente populações pobres e rurais - exatamente aquelas que já enfrentam maiores dificuldades de acesso aos serviços de saúde. Durante a pandemia, essas pessoas se tornaram duplamente invisíveis.

    O estudo analisou dados do Sistema de Informação do Programa de Controle da Esquistossomose entre 2020 e 2021, comparando com o período pré-pandêmico de 2015-2019. Os resultados mostram como uma crise sanitária global pode devastar programas de saúde pública já fragilizados. Em 2021, embora tenha havido uma ligeira recuperação, os exames ainda estavam 66,5% abaixo do esperado.

    O mais preocupante é que essa redução não significa que a doença desapareceu - pelo contrário. A esquistossomose continuou circulando silenciosamente nas comunidades rurais, infectando novos hospedeiros, enquanto os sistemas de vigilância estavam desligados. Quantas pessoas desenvolveram formas graves da doença sem diagnóstico? Quantas crianças tiveram seu desenvolvimento comprometido? Quantas mortes poderiam ter sido evitadas?

    A taxa de positividade dos poucos exames realizados em 2020 foi 32,8% menor que o esperado, mas isso não indica melhoria epidemiológica - indica simplesmente que os casos não estavam sendo detectados. É como apagar os incêndios ao desligar os detectores de fumaça.

    Este estudo ecológico oferece uma lição crucial sobre como pandemias podem criar ondas devastadoras de consequências indiretas, afetando especialmente as populações mais vulneráveis e as doenças que já recebem pouca atenção. Os dados revelam não apenas o colapso temporário de um programa essencial, mas também a necessidade urgente de fortalecer sistemas de saúde resilientes que possam manter cuidados essenciais mesmo durante crises.

    Para mais informações acesse: https://doi.org/10.17058/reci.v15i1.19373.






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