Em uma década que deveria representar avanços no combate ao HIV/AIDS, Porto Alegre registrou uma realidade perturbadora: 1.603 mulheres perderam a vida por complicações relacionadas ao vírus entre 2007 e 2017. Mas os números revelam algo ainda mais preocupante - a epidemia está mudando de cara, e talvez não estejamos prestando atenção nos lugares certos.
Porto Alegre não é uma cidade qualquer no mapa do HIV/AIDS brasileiro. A capital gaúcha figura entre as cidades com os maiores indicadores epidemiológicos do país, transformando-se em um laboratório natural para compreender como a epidemia evolui e afeta diferentes grupos populacionais. E o que os dados mostram sobre as mulheres porto-alegrenses deveria nos fazer repensar tudo que achamos saber sobre HIV/AIDS.
Durante uma década de análise, pesquisadores mergulharam nos dados de mortalidade feminina por HIV/AIDS na cidade, categorizando cada óbito por idade, cor da pele e escolaridade. O resultado é um retrato complexo que desafia estereótipos e revela lacunas críticas no cuidado de saúde.
Mulheres brancas apresentaram os maiores coeficientes de mortalidade - um dado que contraria a percepção comum sobre quem são as principais vítimas da epidemia. Mulheres com menor escolaridade também figuraram entre as mais afetadas, evidenciando como vulnerabilidades sociais continuam determinando quem vive e quem morre por HIV/AIDS.
Mas a descoberta mais surpreendente está na mudança do perfil etário da epidemia. Enquanto observamos uma retração significativa na mortalidade entre mulheres de 20 a 29 anos - uma notícia aparentemente positiva - há um movimento preocupante na direção oposta: mulheres acima dos 60 anos estão morrendo mais por HIV/AIDS.
Isso representa uma mudança fundamental no cenário epidemiológico que exige uma reflexão urgente. A imagem tradicional do HIV/AIDS como uma doença de jovens está sendo substituída por uma realidade onde mulheres mais velhas se tornam crescentemente vulneráveis. São avós, mães maduras, mulheres que talvez nunca imaginaram estar em risco, mas que estão pagando com a vida por gaps no sistema de saúde e na prevenção.
O que está acontecendo com as mulheres idosas de Porto Alegre? Por que elas estão morrendo mais por HIV/AIDS enquanto as jovens estão sendo melhor protegidas? Será que nossos programas de prevenção e cuidado estão ignorando essa população? Será que o preconceito etário está impedindo o diagnóstico precoce e o tratamento adequado?
A menor escolaridade como fator de risco persistente também levanta questões fundamentais sobre acesso à informação, aos serviços de saúde e às estratégias de prevenção. Em pleno século XXI, ainda são as mulheres com menor acesso à educação formal que morrem mais por uma doença que já tem tratamento eficaz e prevenção bem estabelecida.
Os pesquisadores foram claros em suas conclusões: as mudanças no cenário epidemiológico "exigem esforços das redes de atenção em saúde na evitabilidade dos óbitos". Ou seja, essas mortes podem ser evitadas, mas isso demanda uma transformação na forma como encaramos e cuidamos das mulheres vivendo com HIV/AIDS.
Este estudo não é apenas sobre estatísticas de uma cidade do sul do Brasil. É um espelho do que pode estar acontecendo em outros centros urbanos brasileiros, um alerta sobre como epidemias podem silenciosamente mudar de perfil enquanto nossas estratégias de saúde pública permanecem estáticas.
Como exatamente os pesquisadores identificaram essas tendências? Que metodologias estatísticas foram utilizadas para garantir a precisão dos dados? Quais são as recomendações específicas para reverter a tendência de aumento de mortalidade entre mulheres idosas? Como Porto Alegre pode se tornar exemplo de cuidado eficaz para outras cidades brasileiras?
Leia o estudo completo e compreenda como dados epidemiológicos podem revelar transformações sociais profundas e orientar políticas que salvam vidas. Acesse: https://doi.org/10.17058/reci.v14i1.18843
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