Existe uma doença que carrega em seu nome a marca da desigualdade social brasileira. A doença de Chagas, descoberta há mais de um século, continua ceifando vidas em pleno século XXI, especialmente quando ataca o órgão mais vital do corpo humano: o coração. Um estudo pioneiro acaba de mapear essa tragédia silenciosa em Pernambuco, revelando dados que deveriam mobilizar toda a sociedade.
Durante 16 anos consecutivos, de 2007 a 2022, pesquisadores acompanharam cada morte causada pela forma cardíaca da doença de Chagas em território pernambucano. O resultado é um retrato geográfico e temporal que expõe não apenas onde e quando as pessoas morrem, mas também revela os padrões ocultos de uma enfermidade que muitos acreditam estar "controlada".
Os dados revelam uma realidade perturbadora: três pequenos municípios pernambucanos lideram um ranking que ninguém gostaria de encabeçar. Ingazeira, Itapetim e São Benedito do Sul apresentam taxas de mortalidade que chegam a mais de 140 mortes por 100 mil habitantes - números que colocariam esses lugares entre as regiões mais afetadas do mundo por essa condição.
O perfil das vítimas desenha um quadro que mistura esperança com tragédia. Homens são as principais vítimas, mas existe uma tendência animadora: as mortes estão diminuindo consistentemente nas faixas etárias mais jovens. Isso sugere que as medidas de controle do vetor - o famoso "barbeiro" - podem estar funcionando para as novas gerações, mesmo que ainda convivamos com o legado de décadas de infecções passadas.
A doença cardíaca chagásica não é apenas uma condição médica - é uma herança social que passa de geração em geração através das condições de moradia precárias que ainda persistem no interior do Nordeste. Cada morte registrada neste estudo representa décadas de convivência com um parasita que foi contraído, na maioria das vezes, na infância, em casas de taipa onde o inseto transmissor encontrava abrigo perfeito.
Mais impressionante ainda é descobrir que, apesar de todos os esforços de saúde pública, a mortalidade geral pela doença mantém-se estacionária no estado. Isso significa que, embora menos jovens estejam morrendo, o número total de óbitos permanece constante - uma evidência de que ainda temos uma enorme população de adultos e idosos carregando o parasita em seus corações.
Este mapeamento não é apenas um exercício acadêmico - é um alerta urgente que aponta onde e como devemos concentrar nossos esforços para quebrar definitivamente a cadeia de transmissão dessa doença milenar.
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Para mais informações acesse: https://doi.org/10.17058/reci.v15i3.20080.